Hoje uma velha ‘amiga’ veio visitar-me. Tomamos bebidas fortes demais para a ocasião. Falamos sobre o que você imaginar. Imagine atrocidades. Assistimos TV. Lemos o noticiário esportivo no jornal da semana passada. Almoçamos juntos, tão juntos quanto pode ser concebido estar. Tomamos banho juntos. Jogamos baralho. Ela venceu. Na verdade, eu já queria que ela fosse embora de vez, mas a inconveniência tanto dela quanto minha não nos permitia um afastamento. Ela riu mim. Mais de uma vez. Ela faz isso toda vez que me visita.
Pus a cabeça por baixo do travesseiro enquanto tocava uma música qualquer, e corri os olhos por todo o espaço do quarto. E ela ali, me olhando sem curiosidade e sem pressa de ir embora. Ligou o chuveiro, mas não tomou banho. Deixou a água ali, escorrendo pelo ralo encardido. Sorriu para mim, me desafiando a falar algo. Não falei.
Ela sumiu por alguns instantes, e depois voltou com algumas fotografias antigas de uma família feliz e unida, em uma viagem longínqua e em um passado distante. Quanto pior eu ficava, mais ela sorria e mais e mais parecia tornar-se uma moradora oficial da casa. Moraríamos juntos, e eu não tinha nem coragem de lhe pedir que se retirasse. Ela é geralmente assim; extremamente inconveniente.
Mas raios revoltos de sol entraram pela janela e a avisaram que talvez fosse melhor ir embora. Ela me olhou com compaixão, sorriu sem graça e saiu pela porta da frente, como alguém de verdadeira honra deve fazer. Não que ela tenha alguma. Ou tem? Não sei. Mas posso afirmar que ela só é inconveniente quando já está conosco. Só nos visita quando pedimos. É uma verdadeira dama quanto a visitas. Só surge com um convite vindo de nossas próprias mãos.
Espero não vê-la tão cedo.