"Eu tenho alma, mas não sou um soldado..."
Empunhavam pela última vez as armas. Pela última vez desde sempre. Os elmos reluziam fracamente contra o céu nublado, quase como se atrevessem a desafiar o sol. As pernas tremiam de frio, de medo. De dor, para os que já sangravam. Aquela era então uma última batalha. Uma última emboscada. E para os garotinhos que nem haviam criado barbas, era a primeira. E já era a última. E a última coisa que veriam não seria pai, ou mãe, ou irmãs mais novas. Seria um punho certeiro, que lhes abriria uma brecha por onde toda a vida iria se esvair, fugindo desesperada de tudo aquilo. Os bruxos ali perto sorriam pela boca já sem dentes, enquanto a terra lamacenta da noite anterior era revirada. Enquanto eles se aproximavam. O cerco fechara ainda mais. Alguns que ainda se achavam no direito de sentir medo eram derrubados alguns passos desesperados depois. Soldados cheios de cicatrizes agarravam os braços uns dos outros, para mostrar que aquilo não era simplesmente um fim. Porque um fim nunca é simplesmente um fim. Sempre tem algo a mais que vai acontecer, mas que nós nunca sabemos, e nunca nos contam, para que não se estrague a surpresa. Os nós dos dedos brancos comprimiam todo o medo, como se ele nunca tivesse passado por ali. Como se ele fosse algo distante e impossível de acontecer. Medo. Alguns ainda riam de tudo aquilo, esperando por um bom destino. Haviam respeitado os deuses por quase uma vida toda, estupraram mulheres e degolaram crianças. Mas tudo havia sido em nome de um bem maior. Escancararam os dentes, bufaram e gritaram, e os meninos que já se encolhiam com os olhos fechados, abriam uma fresta, só pra ver algo havia mudado. Havia. Já podiam sentir o calor que os outros emanavam.O terror. Já podiam sentir o retinir das espadas bem próximo. Já podiam ouvir o silvo daquele último vento agourento e o latido de alguns cachorros por ali, que também iam morrendo aos poucos. Todos iam morrendo aos poucos, como se a simples pressão exercida por outros corpos ali perto fosse capaz de fazer isso. Então sentiram cheiro de rosas, de terra molhada, de adolescentes risonhas. E uma estranha entoação, que armava, e desamarrava todos os pensamentos. Algo muito bom, simples e puro. Quase que uma nova verdade. Então não conseguiram mais lembrar o que veio depois. E só tinham certeza de uma coisa: o que quer que fosse aquilo, eles não contariam a ninguém. Não estragariam a surpresa.
p.s.Eu estava ouvindo All These Things That I've Donen quando escrevi isso. Não podia pensar em outra coisa.
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