sexta-feira

"Pra sempre."


Deixava os olhos ficarem fundos e sem expressão, enquanto toda uma tristeza escondida, que não quisera mostrar enquanto sentia-se penalizado pelos outros, saía correndo, escorria pela bochecha, fazia um contorno até o queixo, pelas rugas e marcas que mais pareciam grãozinhos de areia, que determinariam aonde ir, e se jogava. As cartas velhas e amarelas estavam em cima da cama. Alguns bilhetes antigos misturavam-se a contas não pagas e juras sinceras e eternas.
Dizem que às vezes a tristeza assume um grau tão alto que nos pega pela memória e, a partir daí, tudo começa a parecer sem sinceridade o bastante. Os toques, as palavras, tudo se torna então irreconhecível, e inconcebível de decifrar. Alguns filmes coloridos passavam pela memória, com datas que já nem lembrava mais, mas sabia que todas tinham seu significado especial. Ficou imaginando tantas coisas que pareciam importantes, mas que agora desapareciam em algo irreal. Algo que não retornaria mais. Como se nunca tivesse existido.

‘Eu estou bem. E mesmo quando morrer, vou estar te amando... E não vou deixar você se sentir sozinho nunca. Nunca mesmo’. Ela sorria.

Agora ele tentava segurar uma mão invisível, e sentir um calor inexistente, e enxergar um sorriso que não veria nunca mais, e as lágrimas escorriam cada vez mais depressa,como se estivessem dando o indício de que ele poderia,com sorte, secar, e não ter que passar por aquilo tão sozinho. E tão só. ‘Só queria poder ir pra casa. E queria poder estar ao seu lado. Só isso. ’

Lembrou do primeiro aniversário. E dos outros quarenta e tantos que vieram em seguida. Lembrou da primeira casa. Da única. Lembrou do único rosto que conseguiu amar. Fechou os olhos, e sabia que estava com uma expressão estranha, daquelas que fazemos quando já não sabemos mais o que fazer, e o rosto fica quente e vermelho,como se estivesse suportando uma dor que vem de dentro, que quer sair. Mas não sabe como.

O céu todo chorava. “Pra sempre.”

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