quinta-feira

Breve reflexão sobre o Tempo



Fez que ia chover. Não choveu. Mas ficou tudo nublado por um bom tempo. Mal tempo. E enganaram direitinho. Até caíram algumas gotas de chuvisco que vem antes da chuva. Mas não choveu. Ficamos todos ali, no meio da rua, de braços abertos. Esperando a chuva cair. E estava tudo nublado. Dava até pra chorar, tamanha era a depressão da situação. Não chovia. Quase nada. Chuvisco maldoso, que molha todo mundo, mas não alimenta as plantas. E nem cria poças. É fraco.

O sol ainda se recusava aparecer,que nem uma criança ,dia de segunda, antes de ir pra escola. Preguiça.
E o sol começou a dar risinhos descontrolados. Riu de todo mundo que tava ali, esperando a chuva ou até ele mesmo. Sei lá. Tem gente pra tudo. E ele riu sem pausas sinceras, até que ficou sério com a nossa cara de raiva pra ele. As nuvens também estavam feias. Não formavam nem coelhos, nem elefantes, nem mesmo dragões, que feitos de nuvem não metem medo em ninguém.

E passamos a tarde esperando a chuva, e nem choveu. Quase nada.

A felicidade só ameaçou chegar, mas nunca veio. Talvez só venha no finalzinho do ano, com os presentes. E o papai Noel. E a chuva.


circus





Poetas e loucos, bastardos inglórios da sociedade, amontoem-se aqui, por favor!Apresento-lhes agora um magnífico espetáculo, sem dúvida o maior do mundo!Sim, o maior do mundo!E corram, vagas limitadas, lugares marcados, vidas dependendo substancialmente disso para sobreviver!O circo dos palhaços chorosos apresenta orgulhosamente um cérebro humano!Sim!Com apenas alguns pouquinhos usados, nada que vá realmente fazer falta!

Este cérebro aqui,grande publico,é de um ser humano “normal”!Forço-lhes as aspas porque não há como saber quantos seres realmente conscientes existem neste mundo que o fogo há de cobrir. E pouquíssimo usado, o cérebro!Exato, minha senhora de vermelho aí atrás, e meu cavalheiro de chapéu adornado com peles de javali, um cérebro pouquíssimo usado!Novinho, para os padrões de venda, e vocês tendo a honra de ver esta iguaria antes que ela seja injetada numa sala escura de museu!Posso ate contar-lhes a magnífica história do corpo ao qual este cérebro foi alojado!

Esse cérebro pertencia a um corpo esbelto, de pelos ruivos, globo ocular com retícula em perfeito estado. Aos três anos o cérebro entrou numa escola. Este é o nome que os humanos dão ao local que supostamente os cérebros serão treinados.

Este cérebro aqui conseguiu o que os humanos chamam de estação de graduação. Este cérebro entrou a níveis de universidade, e este cérebro sentiu-se atraído por uma fêmea humana, e os dois uniram-se oficialmente pelas leis humanas, algo chamado de casamento. E estes cérebros por meio do ato sexual, após comprovado amor, geraram nova vida, com novo cérebro. É o que vocês ouviram: cérebros formando cérebros!E este cérebro pensou, e amou, e teve uma vida realmente agradável para os padrões humanos. Mas, eu disse, mas, para os padrões humanos. Bem sabemos que os padrões humanos é que destruíram os humanos!

Este cérebro cedeu aos falsos prazeres dos vícios, este cérebro presenciou outros corpos e outros cérebros morrendo de fome e sede. Não ajudou. Este cérebro esgotou os recursos naturais de seu planeta. E, aos sete anos, este cérebro viu o pai dar três tiros na mãe, e este cérebro passou o resto da vida justificando a dor pela dor. Este cérebro riu da dor. Este cérebro falava de política, criticava a corrupção. Este cérebro riu da dor alheia. Este cérebro riu. Riu de maldade. É. Este cérebro comeu bem no natal, data em que os humanos celebram o ‘sei lá o que’ de seu líder que um dia irá voltar. E este cérebro trocou presentes. É o que se faz no natal, não é?Tudo em nome do espírito natalino. Pessoas morreram de fome e de frio fora dos perímetros da casa deste cérebro aqui.

Grande público!Um cérebro de verdade que pertenceu a este mundo chamado terra!Espero que aprendamos com os erros deles e não levemos nosso mundo ao caos também.


Obrigado.

domingo

É de madrugada que os sonhos vêm





É de madrugada que os sonhos vêm
É de madrugada que os risos chegam
E os olhos ardem
Os cacos de lua caem na rua
E sujam tudo
E brilham tudo
E tudo brilha
É de madrugada que os sonhos vêm
É de madrugada que tudo faz sentido
É de madrugada que as mães beijam
É de madrugada que surgem as idéias
E que viram devaneios as mesmas
É de madrugada que os sonhos chegam
E mostram tudo com mais clareza
Como um vidro não mais embaçado
É de madrugada que os sonhos vêm
E afinal
É de madrugada que você vêm.

sexta-feira

Dia de homem



Caminharam pela cidade conversando sobre variados assuntos. O clima não fazia parte de nenhum dos dois, principalmente se você os conhecesse como eu. Ele falava qualquer coisa sobre a família e sobre como seria a incrível viagem para visitar alguns parentes.Haviam acabado de discutir.Ele falou mais do que devia quando ela disse que não queria ir a casa de seus pais.

__mas por quê?!

__porque eu não quero, ora.

Era um casal quase perfeito. Quase. Brigavam mais do que a história poderia aguentar.Agora brigavam e deixavam uma amargura pontilhada em cada frase depois de uma briga.E tornar-se-iam cada vez mais e mais rancorosos e grosseiros um com o outro.Já nem conversavam direito.O tempo compartilhado junto,que antes era cheio de sol e flores,como o verão e a primavera,tornava-se agora frio,como um inverno que custa a passar.Daqueles que duram meses a fio,e que você torce pra que pare.Mas não para.E o pior é que amavam-se mais do que qualquer um dos dois poderia aceitar.E a ligação tarde da noite,que antes era recheada com o diálogo dos risos e juras de amor sem fim,terminavam agora com um amargo "tchau" ou com o encerramento da linha no meio de uma frase.

Era próximo do dia dos namorados, e ele já havia dado a promessa de que não lhe daria nada. Quando chegou à casa que dividia com a mãe, ela conseguiu ainda derramar algumas lágrimas. Seu coração já não aguentava mais.Tinha que parar.E gritava do fundo do peito,com uma dor interminável;"faça parar!".Andavam pela rua enlameada(havia chovido a tarde inteira) e ela já havia desistido de tentar manter uma conversa plausível e sem discussões.
Ele parou de repente e perguntou o que havia. Ela disse que nada. Os dois tinham novidades. Sabiam disso.Ele queria falar da viagem.Havia terminado com o silêncio mórbido que ela fazia.Perguntou qual era a novidade que ela tinha.

Nunca vi um homem chorar tanto. Ela segurou-o em seu colo e teve a sensação de que tudo ali estava errado. Era ele quem estava chorando.Era ele quem estava dando sinais de fraqueza.Era ele.Ela disse que estava,depois de dois anos,desistindo dos dois.Deveriam terminar.Do pior jeito que se imagina.Brigando.
Naquela noite ele encostou a cabeça no travesseiro, ouviu algumas músicas tristes. Chorou mais um pouco. Não tinha vergonha de chorar.Era homem.E de tão homem que era não percebia que,com tanta ignorância e um esquecimento do amor que tinham,estava escrevendo junto com ela um final triste da história romântica que pertencia ao casal.Não terminaram.Resolveram mais uma vez tentar.Porque o problema não eram as brigas.Sempre brigavam.Nem os términos.Sempre terminavam.O problema era que agora ele sentia a gravidade da dor da perda.


terça-feira

Sorriso(L)

Diga-me que esta tudo bem, e acreditarei. Sempre fui bobo assim.

Diga-me que o mundo esta desabando e que vamos todos morrer. Acreditarei. Sou capaz de doar o sangue na vã confiança de que as coisas são como achamos que são. Daí crescemos e vemos que tudo que pensávamos quando crianças é pura mentira e invenção. Nuvens não são de algodão, o papai não é o homem mais forte do mundo e sua opinião sobre homens e mulheres não valia de nada, afinal. Era tudo mentira. Ou talvez, numa consciência um pouco mais ampla,quando éramos crianças víamos o mundo como ele realmente é,e tínhamos idéias interessantes de verdade sobre como tornar tudo um lugar melhor. E que façamos melhor, então.
Ou então que possamos simplesmente sorrir quando ninguém mais consegue, não na hipocrisia que corrompe a sociedade, mas na mostra dos dentes de quem tem coragem de lutar pelo mundo.
Parece ate algo estranho para se pensar, mas ainda existem pessoas que acreditam que ainda há uma solução, e que não devemos ficar sentados esperando a vida passar.
Como um meio comparativo: não fique sentado reclamando que não há vento; corra de braços abertos e faça o vento. Assim ,quem sabe,possamos algum dia dizer que achamos a solução de tudo, afinal. E talvez ela seja muito mais fácil do que possamos imaginar.