SEU ZÉ CARLOS
Descansou os braços finos e magoados
sobre os joelhos, e postou ali a cabeça rala e sensível e cansada. Não tinha
mais que alguns minutos para pensar tudo. Toda aquela selvageria, meu deus. Tudo acontecera de forma tão
desumana e tão brutal que já não se podia mais crer que dali em diante, daquele
momento ínfimo pra frente, alguma coisa voltaria a ser como antes. Teve toda
conta de pesadelos que se tem quando estamos perdidos e escondidos no escuro,
no canto mais remoto da consciência. Lembrou, antes de um lépido suspiro final,
da juventude que tivera e que desperdiçara. De quantas vezes nem vira a vida
lhe espetar como naquele jogo de festas de aniversário em que se deve fixar o
rabo no burro com um alfinete. Sentia-se estúpido e frágil. Como não fora
antes. Como não se sentira nunca. Aquilo acontecera da pior maneira. Estava num
último domingo de existência, sob um temporal que inundava as baixadas, sob uma
noite escura e tenebrosa, sob a própria sombra, sozinho e sem um amigo sequer,
olhando para as paredes lisas, velhas e frias do hospital, encarando o cinza que se confundia ao chão, à parede
e ao teto manchado. Sentia-se um bicho insensível e irracional, e seria capaz
de chorar se houvesse alguém que lhe pudesse sentir pena. Mas não havia. Ninguém.
Nem mesmo os inimigos perdiam algum tempo com aquele velho cansado e borrado,
sem rumo e sem fé.
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