NOTA: Apresento agora uma crônica. Grande. Será divida em alguns capítulos. Este aqui é o primeiro. Espero que gostem. Comentem.
Lissy morava em casa de esquina, cidade do interior. Tinha sete anos. Morava com os pais, e era loura. Tudo culpa dos ancestrais saxões. Ela não gostava da cor dos olhos. Eram castanhos. Queria tê-los azuis, como os de sua avó. Mas não os tinha.
Lissy gostava do lago que ficava a apenas dez minutos de bicicleta de sua casa. Pena que ainda não sabia andar de bicicleta. As pernas eram curtas demais para alcançar o chão na bicicleta para doze anos, e toda vez ela caía. E caía sem parar até ficar toda arranhada e desistir. E resolvia ir a pé. Daí demorava muito mais. Meia hora, talvez.
A garota tinha um aquário, e os peixinhos dourados faziam bico toda vez que ela dava “soquinhos” no vidro. Lissy também tinha um irmão pequeno. Terrível. Terrível ter um irmão. Terrível ter Thomas como irmão. O moleque arrancava a cabeça das bonecas, jogava veneno para os peixes, e vivia furando o pneu da bicicleta de Lissy. Ela nem sabia andar, mas gostava muito da bicicleta. Ganhara do avô no ultimo aniversario comemorado antes dele sofrer um ataque cardíaco.
Aquela manhã em especial, Lissy poderia dizer que estava deprimida, se soubesse o significado da palavra. ”Droga de vida!”, pensou irritada enquanto lavava as janelas da cozinha. Trabalhar. Era criança, ora, pois. E pior, era um domingo!Era seu aniversário. E ninguém lembrava.
Mentira, Edward lembrava.
Edward. Ele sempre se lembrava das coisas. Ele sabia das coisas. Tinha viajado o mundo com o pai geógrafo, e conhecia mais do que a maioria dos adultos, que não tinham capacidade nem para lembrar um dia tão especial!
Edward morava a umas seis ruas da casa de Lissy, e sempre que podia fugia para visitá-la. Edward tinha cabelos castanhos, e os olhos eram azuis. Do jeito que Lissy gostaria de ter. Mas ela prometera a si mesma que se ela não tinha, seus filhos teriam a tão desejada cor dos olhos. Lissy casaria com Edward para assegurar que isso acontecesse. Edward não sabia disso. Mas eram amigos. Um dia ela contaria e ele concordaria, sem problema algum.
__Bom dia, Lissy!__Edward gritou de uma árvore próxima a janela que Lissy limpava no segundo andar.
__Oi, Edward.
Era engraçado como Lissy conseguia se reconfortar com essa maestria de Edward em sempre encontrar o lado positivo das coisas. Ele sabia que ela estava irritada pelo aniversário não comemorado, que estava cansada, e que muito provavelmente seria extremamente ignorante com ele. Ainda assim, ele ia visitá-la, e provavelmente ela receberia um convite para ir ao lago, onde ele mostraria como sempre algo que a faria sorrir e achá-lo um bobo sem nexo. Edward sempre fazia isso. Sempre conseguia surpreende-la quando nada mais era surpresa.
Edward correu ao redor do lago. Lissy, obviamente era muito mais lenta do que ele, e caía sempre que tentava manter um passo mais acelerado do que o normal.
__Edward, pare, por favor!Não agüento mais correr!
__Pararei assim que chegarmos longe o bastante para que os pássaros não nos ouçam!
__Mas os pássaros não são capazes de nos ouvir!
__Errado!Eles não são capazes de nos entender. Eu não quero que eles nos ouçam.
Ela continuou a correr, tentando acompanhar aquele arrogantezinho nojento.
Edward parou num ponto próximo á arvore preferida dos dois. Era nodosa e sempre dava bons frutos. E sombra.
Lissy olhou-o dos pés a cabeça e notou que, como sempre, ele estava com as roupas caras compradas em Paris totalmente imundas, da escavação em busca de coisas novas para estudar e examinar. Sempre ficava assim.
__Hoje é seu aniversario.
__Eu sei disso.
__Mas não vou lhe dar presente.
__Ótimo.
__Lhe farei propostas.
__Tente.
__Você deve aceitá-las, são ótimas.
__Veremos.
Ele estava radiante, ignorando todas as respostas agressivas que tinha recebido. Isso irritava Lissy, mas ao mesmo tempo lhe dava uma imensa vontade de rir. Como podia alguém ser tão irritante e cativante ao mesmo tempo?
“Amanhã meu pai fará uma importante viagem, ao redor do mundo. Me levará como seu ajudante, e quero que você vá comigo. Poderemos conhecer lugares incríveis, e então poderei lhe mostrar de fato todas as coisas que você merece ver. Faremos excursões em cidades antigas, visitaremos bares e roubaremos dinheiro dos bêbados, como deve ser feito. Que me diz?”
Lissy olhou-o no fundo dos olhos, procurando alguma nesga de mentira. Achou-a.
__Seu idiota!Não minta para mim!
__Não estou mentindo. Viajarei e quero que vá comigo. Quero lhe mostrar o mundo.
__E quem me provaria que esta não é mais uma piadinha irritante que você inventa só para acabar com meu dia?__Ele olhava-a quase em divertimento.
__Eu provo.__ele se aproximou dela, ficando a uma distância menor do que seria aconselhável (ou preferível) um garoto ficar de uma garota. Lissy fechou os olhos. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Podia sentir seu hálito. Hortelã. Uau!
__Tenho as passagens. Veja. Não estou mentindo.
Ela abriu os olhos. Ele estendia os bilhetes e os sacudia bem na sua cara, como se quisesse espantar um mosquito realmente incômodo. "Putz!".
Garotos são babacas. São uns verdadeiros imbecis sem tato. Só não são quadrúpedes. Não todos. Mas definitivamente todos são uns verdadeiros e completos babacas.
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