Quando eu era criança, ganhava um
monte de coisas legais. Carrinhos de controle remoto, bola de futebol, livros
de riscar, coleções infantis. Um monte de coisa divertida. E ganhava bonecos
também, mas enterrava todos no quintal, sabe Deus por que. Uma vez, ganhei até
uma bicicleta vermelha, que me rendeu uns bons tantos de arranhões. Daí eu
cresci um pouco, e os adultos todos, no auge de sua sabedoria de Entendedores
das Leis do Universo e suas intermináveis teorias de como compreender e educar
as crianças, decidiram que eu não deveria ganhar mais tantos brinquedos assim.
Deveria aprender a crescer, colocar um terno cinza, ganhar dinheiro e viver
como mandam as leis da sociedade. Num memorável natal, ganhei minhas primeiras
duas cédulas de dinheiro. Era pra ser algo legal, que me daria a oportunidade
de comprar o que quisesse, ou qualquer que fosse a lição da coisa. Enfim, não
funcionou. Fiquei frustrado, irritado e, voltando de ônibus pra casa, perdi uma
das cédulas. O bom foi que nesse mesmo ano ganhei minha primeira literatura
infanto-juvenil. A partir dali, e eu ainda tinha meus recém-comemorados nove
anos, as coisas começaram a mudar de forma brusca. Perdi direito à pascoa, ao
dia das crianças e a qualquer coisa que pudesse me servir de fato na lista de
presentes.
Como a ideia do dinheiro não
funcionou em nada comigo, os anos seguintes foram cheios de livros, livros e
livros. Ficção, histórias de guerra, conspirações, lendas, tudo o que pudesse
fazer com que os adultos ainda quisessem me dar algo de presente. Sim, porque
eu nunca conseguia fingir que gostava de ganhar algo, se eu realmente não
tivesse gostado. Largava o presente num canto qualquer, dava um sorriso quase
acusador, e ficava visivelmente triste. E, como se não bastasse, minha lista de
Coisas que eu Realmente Ficaria Feliz em Ganhar nunca incluiu roupas. Meias,
cuecas, calças, camisas, lenços, é quase impossível me agradar de verdade com
esse tipo de coisa, desde sempre. E no período negro da adolescência eu usava
calça rasgada, boné e uma camisa estupidamente sem sentido. Usava as roupas
novas em casa, recortava as velhas pra sair. Nunca tive saco pra dar o sorriso
educado, eu simplesmente estampava na cara, “não gostei!”.
Então, concluí que nunca mais
ninguém me daria coisas legais de verdade, e eu nunca mais teria motivos
realmente interessantes pra esperar o chocolate da páscoa, ou presentes de
natal, se ficasse esperando alguma boa vontade de terceiros. Comprei escondido,
aos quinze anos, minha primeira guitarra. Virei fã – nem tanto assim - de HQ’s,
colecionador de tirinhas. Pedi pra ganhar bonequinhos de presente, livros de
quadrinhos, e reuni todas as minhas histórias de crianças num lugar especial da
casa. Mas, por favor, não vá achar que me transformei num infantil, num
solitário que ainda enterra bonecos no quintal ou algo do tipo. Claro que não.
Só acho que a infância é importante e singular demais para ser podada conforme
os anos passam, e cada um tem a própria responsabilidade de saber quando a sua
deve acabar. No meu caso, não quero
que seja agora e, aliás, nem tenho pressa em considerar o assunto.
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