Deixava os olhos ficarem fundos e sem expressão, enquanto toda uma tristeza escondida, que não quisera mostrar enquanto sentia-se penalizado pelos outros, saía correndo, escorria pela bochecha, fazia um contorno até o queixo, pelas rugas e marcas que mais pareciam grãozinhos de areia, que determinariam aonde ir, e se jogava. As cartas velhas e amarelas estavam em cima da cama. Alguns bilhetes antigos misturavam-se a contas não pagas e juras sinceras e eternas.
sexta-feira
"Pra sempre."
Deixava os olhos ficarem fundos e sem expressão, enquanto toda uma tristeza escondida, que não quisera mostrar enquanto sentia-se penalizado pelos outros, saía correndo, escorria pela bochecha, fazia um contorno até o queixo, pelas rugas e marcas que mais pareciam grãozinhos de areia, que determinariam aonde ir, e se jogava. As cartas velhas e amarelas estavam em cima da cama. Alguns bilhetes antigos misturavam-se a contas não pagas e juras sinceras e eternas.
terça-feira
Azul
Já são quase dois anos escrevendo n’O Diário. Nossa. Às vezes fico surpreso ao pensar em como tudo acontece, em como todas as histórias se desenrolam. Os ciclos que aparecem e desfazem antes mesmo que qualquer outra coisa possa acontecer. Aprendi muitas coisas desde que decidi escrever por aqui. Aprendi que amor não define só apaixonar-se, mas ficar fascinado pela necessidade boa que temos de alguém. Aprendi que nenhum momento de tristeza é pior do que aquele em que você está sozinho. Que nunca dá vergonha de chorar, nem quando o choro vem justamente da vergonha. Aprendi que ainda existem muitas pessoas incríveis no mundo, e que às vezes elas estão reunidas no meu grupo de amigos. E falando em amizades, descobri que ainda não as fiz todas, que há tanta coisa a enxergar, que somos todos demasiadamente ignorantes, hipócritas. E todos covardes. Descobri que os defeitos dos quais menos gostamos estão na verdade saindo de dentro de nós. Descobri que é possível sentir saudades antecipadas. E descobri que há pessoas que nasceram pra estar ao nosso lado. E que há aquelas pessoas que conseguem fazer rir ainda quando está tudo errado. Aprendi a sorrir também quando isso acontece. Que alguns sentimentos se repetem, como a tristeza de ver mais um ciclo se finalizando. Engraçado isso. Parece que não importa quantas vezes isso vai acontecer, sempre vamos ficar tristes, sentir um aperto estranho, quase uma vontade de simplesmente não existir, só pra não sentir aquilo nunca mais. Mas, pensando bem, é claro que tudo vale a pena, não é? É claro que sim.
segunda-feira
Tal qual
Os papeis riscados com desenhos infantis, desses que as crianças fazem, com monstros e jardins e pessoas sorrindo, tudo harmonicamente rabiscado, como se trombetas soassem longe, anunciando tempos de paz, estavam pregados no chão, com chuvas, sóis e estrelas pendendo para os lados. O balanço já não existia mais. Nem as crianças, tampouco. E havia um tempo nublado, desses que ficam nublados pra sempre, e que só mudam quando há outro ‘começo de tudo’. Havia livros de capa grossa, com suas princesas presas em castelos tentando saltar pela janela, e seus muitos dragões queimando as pontas desgastadas das páginas. E tudo estava tão cheio de um grande vazio, que chegava a ser sufocante.
sexta-feira
Sobre falta ou saudade
Ouça Fever Dream.Torna o simples texto mais do que um simples texto.
Estou doente. Longe de casa. Acho que essa é uma das piores coisas que podem acontecer a um indivíduo. Somos tão dependentes, não é? Quando eu era criança, ficava doente e minha avó cuidava de mim. Dava remédio. E eu corria pra não tomar. Dávamos voltas na mesa da cozinha, e esquecíamos que aquilo tudo tinha uma seriedade a ser considerada. Eu me machucava e corria pra ela chorando, dizendo que estava prestes a morrer. Ela olhava pra mim e ria. É claro que ela sabia, e eu também, que enquanto ela estivesse ali, nada nem ninguém me faria mal. E eu deitava nas costelas dela, todo encolhido. Com o nariz escorrendo, de tanto chorar. Era sempre assim. Era sempre essa compreensão silenciosa, aquele tipo de coisas que não podemos entender, só sentir falta. E agora estou doente, e tive febre. E ninguém correu ao redor da mesa comigo, tentando me forçar a tomar um remédio horrível.
terça-feira
Para os dias em que estamos tristes
''Um último suspiro. Estava tudo escuro. Estava tudo tão frio. Tão cheio de dor. Sentou-se na cama, sentiu as pernas afundarem. Olhou pro chão. Veja só, e ele é que não estava mais ali. Só havia um grande vazio, daqueles em que você nunca vai se atrever a entrar. O telefone pendia pro lado. Os dedos já haviam cedido. Levantou, viu o reflexo borrado no espelho. Sorriu. O reflexo retribuiu o sorriso, sem graça e triste. E sem vida. Um formigamento na nuca já não incomodava mais. Antes incomodaria. Agora, não mais. Viu um rei triste debruçado sobre a mesa de cabeceira, olhando pro nada. Viu suas plumas vermelhas soltando e balançando conforme o vento ia passando. Sentiu que não poderia ficar de pé por muito mais tempo. Então, sentou de novo. De novo as pernas penderam. De novo os dedos ficaram brancos e abandonados. Segurou o telefone, apertou algumas teclas e suspirou. Sabia que nada poderia ficar assim. Mas ninguém sabe como as coisas realmente terminam, não é? Então riu triste, virou um pouco o corpo, e deixou que o cansaço lhe carregasse para a cama.''
segunda-feira
domingo
Fotos em preto e branco
Fecho meus olhos e só consigo estar de frente pra você. Só consigo enxergar nossa casa, toda pintada de branco, com talhas de madeira sobrando nas laterais. Enxergo um cachorro amarelo e babão que corre pela varanda após um longo e cansativo passeio pela nova poça de lama, que se formou com a chuva de ontem. Vejo janelas de vidro, e me inclino pra olhar dentro da casa. Enxergo crianças se socando no sofá por um consenso sobre o desenho a assistir. O chão está sujo de tinta, e tem uma menina deitada ali, rindo sozinha de tudo aquilo. Ela deve estar pensando que coincidência maior poderia ter acontecido: no primeiro dia de férias, há vários potes de tinta esquecidos sobre a mesa... Nossa, que sorte. Ela esfrega os braços contra o chão grudento e colorido, come um pouco e faz careta. Ah, mas isso não tem gosto de hortelã! O pai se balança de rir atrás da cortina, enquanto tira algumas fotos desconcentradas, e todas saem sem foco algum.
terça-feira
De um click
‘’Vamos lá, só mais um sorriso pro papai!’’
Ele gritava descontrolado, com a filmadora pendurada entre os nós dos dedos.
O filho desmontava e montava de novo a arte de correr descalço na lama, e agora ria como se tivesse acabado de descobrir que as nuvens realmente são de algodão.
O Menino Voador(de um livro que nunca li)
Tentava e tentava
E não voava
Voava
Deixava os braços contrastarem com o vento
Em alento de mãos pequenas
Lentamente ia fazendo
Tipos e cenas
De quem poderia voar
E voltava a cair
sexta-feira
Até o fim do mundo
Saiu de casa e começou a correr.Passou correndo pelo posto de gasolina. Correu entre uns muros quebrados da antiga escola em que estudara. Acelerou o passo na avenida principal, enquanto via todas aquelas vitrines fluorescentes passando velozes e rindo sem dentes. Correu com os cachorros de rua. Correu com os mendigos que disputavam comida. Correu com a menina que amara por toda uma vida. Passou por um rio fundo e molhou a camisa nova. Pediu desculpas ao trombar numa velha senhora. Passou correndo por um show de rock tocado com garrafas pets. Correu para acompanhar o sol. Ouviu o batuque rápido de um tambor que acompanhava seus passos. Correu pelas cenas de um filme erótico. Sentiu pena daquela mulher. Passou correndo por um namorado que pedia desculpas com flores, e correu mais rápido para não ouvir a resposta dela. Correu pelo porto, enquanto ouvia umas baleias cantarem Elvis com trombetas. Decidiu que estava cansado. Correu em círculos por um hotel de beira de estrada. De manhã, quando a camareira foi abrir tudo, ele saiu correndo. Foi perseguido por um cachorro babão que queria brincar. Viu campos verdes, que depois foram ficando roxos, amarelos, azuis. E viu outros cheios de crianças com picolés. Sentiu as solas dos sapatos descolarem. Descobriu que ler e correr poderia fazê-lo tropeçar. Correu entre folhas murchas de árvores no chão. Correu num dia de chuva. Num dia de trovões. Num dia de sol ardente. Num dia em que ninguém saiu. Passou por uma cidade em que todos queriam correr também, mas não tinham coragem. Correu por montanhas. Correu mais rápido quando notou um urso faminto por ali. Correu. Correu até um abismo sem fundo. E não parou de correr. Até que sentiu os pés tocarem o vazio, e as pernas flutuaram enquanto ele descobria que havia chegado ao fim do mundo.
E correu mais ainda. E não parou.
quinta-feira
Brisa
Declare-me acima de qualquer suspeita e abaixo de nada mais do que um mundo inteiro de culpa. Faça-me crer que de todas as coisas do mundo eu sou a mais infinitamente descartável, a ponto de rir do absurdo, só porque nem o maior dos absurdos seria absolutamente tão resoluto quanto eu já fui um dia. Faça-me sentir arrepios sem frio, sem medo, sem dor. Faça-me rir sem graça. E faça-me chorar sem lágrimas, porque só o que consigo mesmo é isso: é chorar em silencio enquanto não escorre uma nesga de tristeza. E tudo porque não é tristeza. É quase que desesperança mesmo. Levante minhas mãos, e olhe entre meus dedos, e descubra porque mãos no ar valem muito mais do que aquelas que se escondem em bolsos. Crie bolsas de ar a partir da pulsação de uma brisa, e brise como eu seria capaz de brisar, por nada mais além de qualquer trocado inteiro. Nada além do que já estou acostumado a não ver. Sabe aquelas coisas que você já se acostumou a não ver?
terça-feira
Texto piloto
Deixou o outro por ali mesmo, desacordado e cheirando a pólvora. Correu para bem próximo. Queria ver tudo de perto. As calças velhas já apertavam as pernas finas e dificultavam até a locomoção. Uma mulher rabugenta passava olhando, e ele fingiu estar perdido. Olhou para os lados, pôs os dedos no ar. Fez alguns gestos estranhos. Coçou a cabeça. Sentiu grãozinhos de areia, correndo feito loucos pelo couro cabeludo. A mulher, ao invés de ir embora, aproximou-se do rapaz de cabelo seboso e escorrido que devia estar perdido. Ela mostrou-se interessada em ajudá-lo, depois de uma visitinha à velha casa que herdara do saxão de quem fora esposa. O velho morrera com estranhas marcas e uns panos velhos enrolados no pescoço, que ela alertara à policia como um brutal suicídio. Os detetives perguntaram o porquê de tanta demora em avisar o ocorrido. Ela viajara a uma cidadela próxima, para visitar uns parentes, argumentou. Por três dias?Sim, ela disse. Ninguém em lugar algum vira ou ouvira qualquer argumento que procedesse com as palavras da mulher.
quinta-feira
Kamikazes
Corria desesperadamente, uma dor apertando seu peito, fazendo com que tivesse dificuldade de respirar. Ainda vestia a roupa do circo, e ainda podia ouvir gritos distantes, que lhe informavam que nada o faria ficar tão longe que não pudesse ouvir aquilo tudo. Já havia arrancado os sapatos desde a hora que saíra, e agora sentia os pés em carne viva, e cheios de poeira. Arfava e tossia com as mãos escoradas sobre os joelhos, num meio movimento de quem esta prestes a cair de cansaço. Os pingos de suor escorriam num reflexo de cores, daquelas que só pessoas de circo usam. Daquelas que te deixam mais imponente. Daquelas que te congelam triste ou feliz. Numa expressão que, de tão irreal, torna-se sincera. As mãos estavam molhadas, de suor e sangue, ele achava. O líquido quente escorria pelos braços, e se esgueirava até a ponta dos dedos, e pulava como um mortal kamikaze. Sem medo algum. Caíam e evaporavam em pouco tempo. Parecia ser este o sentido de suas vidas de gota: escorrer por onde desse, se prender a coisas que lhe fossem de importância, ou pularem dos lugares mais absurdos, para um futuro que, todas elas sabiam, as levaria para uma triste e solitária evaporação. Para um triste fim. Mesmo assim pulavam. E pulavam sem medo da dor. Pulavam sem medo do fim. E gritavam como numa queda de montanha russa até se espatifarem no chão quente e não durarem mais do que alguns segundos, fervendo e evaporando. Mesmo assim pareciam não se arrepender, e o olhavam com a simples concordância de que se pudessem, sim, fariam tudo de novo. E não parariam até ter uma perspectiva melhor de existir. Pular, cair, sorrir, evaporar.
quarta-feira
Trecho de algum rótulo de gente
''Satisfez-se com apenas dois ou três sorrisos irônicos que diziam nada mais do que somente o que ele queria saber. Estavam todos parados ali, olhando. Em sorrisos irônicos. Constariam, tempos depois, que ironizar nada mais é do que expor uma depressão contida, escondida e contínua, como água corrente em rios subterrâneos. E todos os sorrisos irônicos eram só uma comprovação em voz estridente de uma menina irritante. E apesar de tudo isso, nenhum deles sequer notava que eram eles quem estavam com as calças nas mãos. Eles é que estavam nus e desinibidos, e estavam assim completamente alheios a uma visão simplista do mundo. E mostravam sem querer ali tantas frustrações quanto se é possível mostrar. Tantos sorrisos de depressão que dilata os vasos quanto é possível. Tanta amargura quanto é possível aprender a ter. Tanto hipocrisia quanto é aconselhável beber.''
segunda-feira
Surtir
Parei bem no meio do quarteirão. Olhei pro chão. Acho que faço isso sempre que olhar pra qualquer outro lugar se torna difícil. Já começavam a cair umas gotinhas rebeldes de uma chuva que viria muito tempo depois. Eu ri. Não que seja bom ter um compromisso a cumprir e chegar totalmente encharcado, cheirando a tapete molhado... Mas acho que me acostumei com esse tipo de coisa, e simplesmente aprendi a rir toda vez que chove e eu estou parado no meio de uma rua qualquer, totalmente perdido. Tolamente perdido.
terça-feira
Falta
Sinto falta dos amigos.
Sinto falta de pegar chuva, de nadar sem rumo. Sinto falta de rir à toa. De comer biscoitos e pipoca. E chocolate. De fazer coleta pra comprar comida. Sinto falta de histórias de terror e de brincadeiras sem sentido. Sinto falta das gargalhadas que tiravam o ar. Dos comentários sobre tudo e qualquer coisa. Das tardes ouvindo música. Dos momentos de depressão em conjunto. Dos momentos de alegria em conjunto. Sinto falta das músicas que tocavam, e que repetiam várias vezes até ninguém mais agüentar. Sinto falta até das brigas. De todas as discordâncias. De assistir TV com todo mundo.
quarta-feira
Acostumando
“Tá, então eu acordo hoje, e ele não.”
Foi a primeira coisa que consegui pensar. É esse tipo de coisa que dói. O tipo de coisa que faz o coração palpitar descompassado. Há coisas do mundo que simplesmente nunca vou conseguir entender.
Morrer. Ficar só. Não precisamos disso. Não deveríamos pagar assim. Você é louco por alguém, e simplesmente não vai poder ver essa pessoa sorrir nunca mais. Nunca mais. E não vai poder encontrar abrigo ali. Não mais. Não é certo. Tão poucas pessoas aprendem a amar. E as pessoas que nós amamos não deveriam ir. Nunca. Pergunto-me às vezes sobre o que posso fazer agora. O que vou fazer agora. Como vou fazer, e se isso vai ser anestésico. Se vai fazer parar de doer. É meio depressivo isso, não é?
sexta-feira
Trechos de história Para três meses
“Gostaria de poder começar toda e qualquer história que eu fizesse com tiroteios entre cowboys, e donzelas sendo salvas das mãos infames dos maiores tiranos que já existiram. Não consigo. Simplesmente não consigo. Aprendi que só sei fazer historinhas sobre pessoas simples, com defeitos e que descobrem que as coisas mais incríveis do mundo já existem há séculos e que estão ali o tempo todo. Só que ninguém repara. E, pra não perder o hábito, vou escrever um romance, daqueles que estão presentes em tudo o que escrevo. Bom.”
sábado
Conquista
Imagino-me parado em meio a um monte de caco de vidro. Algumas pessoas foram feridas; outros, mais do que isso. Todos pagam o preço de uma conquista. Eu conquisto o mundo. Eu tenho responsabilidade sobre ele. Eu conquisto uma garota. Devo amá-la e protegê-la.
segunda-feira
Hoje é dia 3
‘E se, por um segundo, um segundo que fosse, eu parasse para pensar no que eu estou prestes a fazer? Eu não faria. Ficaria ali mesmo, parado. Tudo fazia parte de um plano maior, de uma suposição de realidade. ’
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